domingo, 15 de março de 2015

A uruca pegou

Eu trabalhei com temas relativos ao Holocausto e antissemitismo no Brasil durante uns três anos, mais ou menos. Era lá no Arqshoah.

Uma das coisas que eu fazia ocasionalmente era entrevistar idosos que passaram de alguma forma pelo Holocausto na Europa. Eram pessoas que se refugiaram nos trópicos durante a Segunda Guerra, ou conseguiram se esconder pelo Velho Mundo mesmo durante o conflito e vieram para cá depois, ou até mesmo indivíduos que chegaram a passar por campos de concentração e posteriormente vieram para o Brasil, País do Futuro.

Eu não era uma boa entrevistadora. Na verdade, raramente me ocorriam perguntas e eu era muito mais uma auxiliar burocrática, preenchendo autorizações do entrevistado para a minha chefe, do que qualquer outra coisa.

Numa dessas vezes fomos entrevistar um senhor fofíssimo que passou por campo e tinha uma história bem pesada. Juro que não sei o que falei ou o que eu fiz, mas o Senhorzinho simpatizou comigo. E simpatizou tanto que me falou a coisa mais doce que idoso judeu poderia me falar.

Eu devia ter uns 22 anos na época e, na hora que minha chefe e eu estávamos saindo da casa dele, o Senhorzinho me perguntou se eu era casada. Respondi que não e ele falou "você merece um bom marido, um bom marido judeu". Nunca gostei das pessoas me mandando namorar e casar, mas dessa vez não levei a mal. Era um senhor de outro país, outra religião, pouco mais velho que meu avô me desejando algo que, pra ele, era uma das melhores coisas que poderia me acontecer.

Não, não vou entrar em mérito nenhum. Não me ofendi porque aquela era a forma dele me desejar um futuro bom e feliz, mesmo sem nem me conhecer direito. Eu acredito nisso, que "você merece um bom marido, um bom marido judeu" era um voto sincero de felicidade justamente por ele me desejar um marido judeu.

Resumindo bastante, até porque eu mesma não sei muito, basicamente pra uma criança ser judia, ela precisa nascer de ventre judeu, ou seja, a mãe precisa ser judia. O Senhorzinho, um idoso judeu relativamente ortodoxo, sabia que eu não sou judia e, mesmo assim, me desejou um marido judeu. Meus filhos dificilmente seriam considerados judeus pela maioria da comunidade, mas ele me desejou o que, pra ele, era o melhor pra mim. Até onde eu sei, entre os judeus um pouco mais ortodoxos, o casamento entre goi (o não judeu, o estrangeiro) e judeu não é muito bem visto. Ainda mais quando a mulher é goi, justamente por não "passar" o judaísmo pros filhos. Me desejar um marido judeu era como que dizer "você é uma moça tão boa que gostaria de te ver na comunidade a qual pertenço". Não sei de onde ele teria tirado que sou tão gente boa assim e sim, eu sei que posso estar viajando. Mas independentemente do que aquele Senhorzinho tinha em mente na hora que falou isso, o fato é que pude ver nos olhos dele o quanto ele queria meu bem.

Dessa forma eu só posso agradecer uma uruca tão benigna e que, pra minha sorte, pegou. Há dois anos encontrei meu Lindão que não é nem meu marido e nem judeu, mas provavelmente é o mais próximo do que o fofo Senhorzinho me desejou. Ok, bem capaz de não ser exatamente o que ele quis dizer, porque minha concepção de bom marido com certeza é diferente da dele, mas se pensarmos num denominador comum, que seria algo como um homem bom, responsável e carinhoso, foi isso que ele desejou e foi exatamente isso que Afrodite me deu.

Há dois anos encontrei aquele como qual pretendo morar, mas sem casar, e que não é judeu. É goi, como eu. E hoje esse goi bom, responsável, carinhoso e muito babão completa mais um ano de vida. Lindão, feliz aniversário! Eu te amo e tô tão aguada de saudade que este ano não vai ter zoeira no seu post. Não acostuma, tá? xD

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